Um conto de reis

Meu avô e eu acordamos cedo. Ele vestiu o seu melhor terno, era branco, linho o mais caro que ele tinha. Penteou os cabelos, dele e os meus.

 

Estava contente, eu e meu avô íamos passear. Hoje era um dia especial, nós tínhamos UM CONTO DE RÉIS.

 

O que comprar com esse dinheiro? Castelos, carro, uma passagem para qualquer parte do planeta. Éramos reis com um conto de réis.

 

Fomos a pé para o centro, eu e o meu avô. Olhamos nossos súditos com um olhar altivo mas cordial, pois éramos reis benevolentes.

 

As garotas me olhavam com olhos apaixonados e de espanto – Aonde vão estes reis?

 

– Vamos à cidade. Nós temos um conto de réis!

 

A cada passo o chão virava estrelas, a cada quarteirão cruzávamos universos. Eu, meu avô e uma nota grande; a maior que eu já tinha visto.

 

– Chegamos!

 

Possibilidades infinitas. Andamos pelo pequeno centro, havia lojas com diversas coisas para comprar, ia de brinquedos às mais variadas comidas. Tudo podia ser nosso, hoje éramos reis.

 

– Não vamos gastar tudo de uma vez. Uma piscada e duas batidinhas com o dedo no nariz.

 

O meu avô era sábio. Iríamos pesquisar os preços, negociar. Tínhamos a vantagem, afinal éramos reis e não tolos.

 

Passeamos cautelosos entre as opções, pessoas riam e ofereciam, nós agradecíamos e andávamos. Meu avô me segurava pela mão, seu aperto era forte, decidido, pois hoje ele estava com seu neto e o tal conto de réis.

 

Depois de muito andar e agradecer, parei, congelei no tempo. Fiquei de frente para a coisa mais preciosa que o nosso dinheiro poderia comprar. Olhei para o meu avô, ele me olhou e concordamos. Vamos comprar!

 

– Moça, dois sorvetes, um de chocolate e o outro de nata e capriche na cobertura, hoje você irá servir a reis.

 

Sentamos em duas cadeiras armadas na frente da pequena barraca. Estava quente e o sorvete derretia rápido. Meu avô contava suas histórias entre uma lambida e outra, ouvia cada palavra. Ele falava de reis em terras distantes que brigaram em uma grande guerra. Navios que cruzavam os oceanos carregando a morte, multidões fugiram de suas casas para escapar de um país que queria matá-los. Pessoas que foram pegas e não voltaram mais. Ele me contou de seu avô, eu chorei. Com sua mão forte sobre meu ombro ele me consolou – Não fique triste, hoje nós somos reis lembra?

 

Para me alegrar ele contou como cruzou os mesmos oceanos dos navios da morte. Como conheceu a minha avó. Como viu meu pai nascer, crescer, casar e viver sua vida. Como viu seus netos chegarem em um país longe destes reis errados que não amavam os súditos. O sorvete escorria pela minha mão e foi se embora como as histórias do meu avô. Era hora de voltar para casa. Nos levantamos, fomos em direção ao caixa pois éramos reis justos e pagamos o que devemos.

 

– Por favor, quanto ficou? Falou meu avô, altivo e seguro.

 

– Um cruzeiro.

 

Meu avô pegou sua carteira, abriu e entregou a nota que carregávamos com tanto orgulho. Era linda e colorida e logo tomou seu lugar no palco. Um dinheiro maior que os outros, portanto valia mais.

 

– Pegue um sorvete também para você, hoje é o seu dia de sorte. Disse o meu avô com um sorriso.

 

Mas não foi com um sorriso que a moça do balcão recebeu a nota. Vi sua expressão mudar, ficar igual a dos reis errados, que do outro lado do mundo se lembravam só de matar. Seria ela parente deles?

 

A mulher começou a gritar, veio outro homem não se sabe de onde e também começou a gritar. Meu avô educadamente tentava entender a situação. Não sei como nem por que, apareceram pessoas vindas de todos os lados. O meu avô foi jogado no chão, ele e o conto de réis. Seu terno branco se sujou e os cotovelos que apararam a queda ficaram marcados com um rasgo profundo.

 

De repente estávamos eu, meu avô e o conto de réis. Lá esquecidos, não tão reis. Cansados e sentados, não em cadeiras confortáveis ou tronos imperiais; mas na sarjeta, onde a água começava a correr e manchar o terno de linho branco do meu avô.

 

Ele não estava mais altivo, parecia cansado, seus olhos estavam se fechando. A guerra estava terminada e nós éramos os derrotados. Sua mão segurou a minha, já não tão forte. Me olhou com um olhar fechado pela vida e pela primeira vez o vi chorar.

 

Foi quando me lembrei de suas histórias, de como ele havia escapado dos reis errados, de como fez uma família em terras novas. Levantei, fiquei de frente para o meu avô e disse:

 

– Vô, hoje somos reis, se lembra? O senhor cruzou oceanos e sobreviveu aos reis errados, me dá sua mão este não é o seu lugar. Somos reis, você se lembra? Fiquei lá com a mão estendida, olhando para o meu herói.

 

Meu avô levantou a cabeça, me olhou nos olhos e sorriu. Segurei em sua mão com a força de um rei, firme, forte e a velha majestade se levantou.

 

Voltamos para casa, derrotados, mas de cabeça erguida, eu, meu avô e o tal conto de réis.

Olá, você pode baixar os seus livros normalmente, basta deixar os seus dados aqui. Gostaria de saber um pouco mais sobre você, os seus gostos, seus ódios e assim poder oferecer mais conteúdo que te agrade.

Se já for cadastrado, é só se logar.

Este cadastro é feito uma única vez, quando você voltar basta se logar e todos os livros estarão disponíveis. Antes de se cadastrar, leia a política de privacidade do site Clique aqui

Depois de se registrar, você poderá editar os seus dados na página 'Meu canto'.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *