Eu, Kerouac, Bukowski e uma garrafa de whisky

Já era mais de meia noite. Sempre quando sentávamos a mesa era mais de meia noite, mesmo que o sol batesse forte lá fora. Na mesa era a porra da meia noite.

Naquele dia nossa mesa estava mais cheia. De Angelis, era um policial reformado, tinha sido excomungado da corporação. Motivos diversos.

Dou outro lado um cara desconhecido, Johnny, estava na dele, só bebia o que pagava. Bom cara.

O bar era sujo, só isso. Mas servia bem. Se tivesse algum dinheiro na mesa, a bebida ia caindo. Tudo era servido em copo de requeijão. Bukowski nunca entendeu esta relação. Kerouac só deixava rolar.

As mesas forradas com uma toalha de plástico quadriculado, outras mesas, como a nossa, se escondiam das ruas. Naquele dia podia jurar ter visto o Tom Waits em uma delas. Estava com um churrasco grego numa mão e uma garrafa de vodca na outra. Vomitava para caralho, mas estava escrevendo alguma coisa, deixamos o cara trabalhar.

Hemingway e Fitzgerald se perderam. Drogas demais, bebidas demais, putas, não estas nunca são demais.

Foi quando Kerouac parou de beber, o que era raro e falou:

– Outro dia vi uma porra de vídeo na internet.

– Que é internet, e porra de vídeo? – Perguntou Bukowski.

– Era uns caras, uns caras muito fodidos (o fodido aqui é fodido mesmo).

– O que eles faziam? – Perguntei. Queria participar da conversa, embora não tivesse interesse nenhum na porra do vídeo, mas o meu copo estava vazio e a minha grana parou de cair na mesa.

– Uns caras estavam usando umas merdas de peso nos peitos.

– E por que caralho alguém usaria uma porra de pesos nos peitos? – Bukowski.

– Eles queriam mostrar como as mulheres sofrem por ter peitos.

– Mas que porra, hoje é tudo mulher, minoria. Que merda tem de errado ter peitos? Alguns caras têm peitos, meu tio tinha peitos. – Bukowski falou e foi ao banheiro mijar.

– Essas mulheres hoje, só vivem de mi mi mi. – De Angelis de manifestou, nunca foi muito tolerante com esta coisa nova que virou o mundo.

– Vai ver querem sensibilizar todo mundo falando como a vida delas é uma merda. – Não sei quem falou isso, estava pegando o copo do Bukowski. Olhei para o Tom, estava vomitando, não, não foi ele.

– Puta merda, eu carrego vinte quilos no meio das pernas e ninguém me vê reclamando. – Johnny não tinha aberto a boca até esta hora.  A mesa parou, até o Tom Waits segurou um vomito, dois segundos depois, voltou a chamar o Hugo (Esta nem o Kerouac entendia).

– Não fode, vinte quilos?

– Na verdade é quarenta, não queria parecer arrogante.

– Não fode.

– Deixa o cara falar. – Bukowski acabara de chegar do banheiro, não sabia o que estava acontecendo.

– Esse porra falou que tem um pinto que pesa quarenta quilos. – Kerouac começou a ficar puto. A grana dele também acabou e as bebidas vinham com mais dificuldade.

– Ninguém tem um pau de quarenta quilos, é alguma doença? – Bukowski nunca deixava barato.

– É que a gente estava falando de peitos e o Johnny saiu com esta. – Sempre tento explicar tudo, depois do terceiro copo, muita coisa se perde. Por isso temos um lema, tem coisas que só devem ser ditas depois do terceiro copo, pra ficar escondido na parte fodida da cabeça.

De Angelis nunca foi muito tolerante, e foi logo botando pra fuder.

– Tem porra que acha que só por que tem gente bebendo, que se pode ouvir qualquer merda. Essas minas, que se fodam com seus peitos. E você caralho, não tem esse caralho.

Nessa hora o Johnny se levantou e uma merda muito grande aconteceu. Ele abriu o zíper e jogou sobre a mesa o que parecia um pedaço de jiboia. (Tive que explicar o que era jiboia pro Bukowski).

O negócio começou a desenrolar. Caralho ele guardava a porra enrolada nas calças! E foi bater no copo do Kerouac, que xingou a mãe do filha da puta, que derrubou o que restava do copo.

– Que porra é essa?

– Falei, quarenta quilos. – Johnny exibia aquilo com orgulho, mas De Angelis, sempre De Angelis não deixou barato.

– Tá, mas esta merda não pesa quarenta quilos.

– Quer bater uma aposta?

– Que porra de aposta? – De Angelis, não sabia calar a boca.

– Pode pesar, se não tiver quarenta quilos pago a bebida por uma semana.

– Duas.

– Duas.

– Pra todo mundo aqui.

– Pra todo mundo aqui!

Nesta hora o Tom Waits segurou o vomito e ficou só olhando a merda rolar.

– Tá e como você vai pesar isso ai? – Esse era eu, alguém tinha que pôr ordem no puteiro.

– O chico (o dono do bar chamava chico).  O Chico, posso usar a sua balança?

De Angelis era determinado, característica de policial. Ele não largava o osso até que não aparecesse o tutano.

– Eu não vou colocar isso na minha balança! – Frase compreensível do Chico, afinal tinha gente que comia o que era pesado naquela balança.

– É só colocar um plástico. – Apesar da cabeça cheia de whisky, o Bukowski sempre tinha ideias boas.

– Alguém pode começar a pagar a aposta agora? O meu copo levou uma rolada. – Kerouac sendo prático.

– Eu tenho uma pergunta mais importante. – Johnny, o pai da criança pediu a palavra. Não devia ter feito isso. Nem com bêbados, tem que haver o mínimo de respeito.

– O que é mais importante que um copo cheio? – Eu pondo ordem na casa.

– Quem vai colocar o pau na balança?

– Como assim? Você caralho! – Eu de novo.

– O ônus da prova cabe ao acusador.

O porra era advogado. O que fazia um advogado de pau grande num bar? Caralho, que mundo é esse?

– Então é o De Angelis que vai colocar o pau na balança. Foi ele quem desafio o menino. – Este foi o Tom, ele parou de beber depois que o pau saiu da calça o Johnny. Ah, também parou de escrever, um pau grande causa este tipo de efeito nas pessoas.

– Não, pera aí. Todo mundo vai ganhar com esta aposta. Então todo mundo tem que se comprometer.

Kerouac ameaçou ir ao banheiro, Bukowski segurou o filho da puta. Gosto desse cara, ele tem estilo.

– Então De Angelis, a aposta é sua. Segurar o pau é a sua responsabilidade. – Eu e todos concordaram.

– Se eu ganhar todos ganham. Vamos tirar no palitinho. Quem pegar o maior segura o pau!

Tom Waits estava rindo que parecia uma criança. Desta vez Bukowski e Kerouac ameaçaram ir ao banheiro. Segurei os dois.

– Quem pegar o maior, segura o pau! – De Angelis chamou todo mundo para a briga. Foi logo pegando a caixinha de fósforos, que pediu ao Bezerra que estava caído num cano. Na verdade, o Bezerra tinha apagado ele foi só lá e pegou.

Quebrou cada palito meticulosamente, juntou todos em sua mão e começou o sorteio. Foi o primeiro a pegar.

Depois fui eu.

Depois o Bukowski.

Depois o Kerouac.

O Tom Waits voltou a escrever.

Sentimos a falta de Hemingway e Fitzgerald.

E por fim, com os palitos em mão e rezando para ser só isso que teríamos em mãos. Medimos.

O meu era menor que o do De Angelis.

O do Kerouac era menor que o do De Angelis.

E o do Bukowski era menor que o do De Angelis.

Estava tão feliz que pedi para o Chico uma rodada a fiado. Queria beber à minha sorte. Ele disse não. Porra!

Com muita dignidade, De Angelis pegou a JEBA (com caixa alta, aquilo não podia ser escrito de outra forma). Colocou na balança, devidamente forrada com plástico, exigência de Chico. Esticou aquele corpo de carne por toda a extensão do prato. Enrolou como um fumo ou uma linguiça, para que ficasse por inteiro na bandeja. Ele foi muito profissional. E depois do feito, começou a pesagem.

Era uma balança antiga, daquelas que se coloca o peso do outro lado para saber o quanto este lado pesa.

E começou a colocar pesos.

E foi um de dez. A balança nem se mexeu. Aqui fica registrado a minha admiração, eu e metade da humanidade teríamos parado com muito menos que isso.

E foi vinte. Nada, não se mexeu. Confesso, eu não andaria com aquilo no meio das pernas.

E foi trinta! Cacete, se esta merda não se mexer vou virar padre e aposento o meu bilauzinho. Mexeu. Um pouco.

E foi mais cinco. Para fazer suspense. Nesta altura eu já estava começando a acreditar na existência de X-men.

E foi mais um. Não podia acabar tão fácil, tinha que ser aos poucos, devagarinho. Aliás com aquilo, só muito devagarinho e com muita piedade do próximo.

E foi mais um. Não é repetição, é necessidade.

E mais outro.

E mais outro.

Uma hora parou! A balança equilibrou. Duas massas gigantescas chegaram a um acordo gravitacional. Dois pesos. Uma única medida.

– 37.8 Kg! – A voz de Chico soou como uma sentença implacável.

– Eu venci! Falei! Venci! CHUUUUPPA!

De Angelis estava radiante, confesso que todos estávamos um pouco aliviados. Apesar da humilhação cartesiana, geométrica ou dimensional. Estávamos vingados. Não existia um pau de quarenta quilos. E ainda ganharíamos bebida de graça!

– Quero a minha parte agora! – Esta frase veio em conjunto de Bukowski, Kerouac e Waits. Este último entrou de gaiato, mas como ainda tínhamos algum álcool na cabeça, todos concordaram.

– Pago a semana que vem. Também estou duro agora.

Água fria. O copo de Kerouac ainda ficaria vazio, mas ele teria uma história. Bukowski só sorriu, ele também sabia que histórias são mais importantes que o que se bebe (ás vezes).

Esperamos a semana seguinte.

E a outra e mais outra.

Nem De Angelis ou o Johnny apareceram.

Ás vezes algumas coisas se tornam mais importante que um copo cheio. Até o Tom se conscientizou disso.  

– Há coisas que não se falam depois do terceiro copo, não é Charles?

– Há coisas que não se falam nem depois do terceiro copo.

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Comments

    1. Post
      Author
      Strassacappa

      Isto pode ser um começo de uma ideia. Encontros escatológicos com escritores ou personalidades com personalidade.
      Se vierem mais faço disso um livro.

    1. Post
      Author
      Strassacappa

      Verinha!!
      Então, vamos ver. Este pode ser um livro bem divertido de se fazer. Estou com um quase saindo do forno. O velho Bodoque revisado. Vou fazer os últimos ajustes e inscrevê-lo no concurso da Amazon. Mas, antes disso vou te mandar uma versão finalizada (com a capa da minha filha). Beijão.

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